A Krafton, desenvolvedora sul-coreana por trás do sucesso global PUBG: Battlegrounds e do fenômeno mobile Battlegrounds Mobile India (BGMI), tomou uma decisão que pode redefinir sua trajetória no setor de games.
A empresa irá investir de forma contínua e robusta no mercado indiano, destinando pelo menos US$ 50 milhões por ano para consolidar presença, fomentar estúdios locais e construir um ecossistema de longo prazo. A aposta não acontece por acaso.
A Índia vive hoje um momento singular, com 444 milhões de jogadores ativos, crescimento de 12% em relação ao ano anterior e um terço deles disposto a gastar em jogos.
Esse volume cria uma das maiores bases de consumidores do mundo, ao mesmo tempo em que o país endurece regras contra o segmento de apostas em dinheiro real, abrindo espaço para empresas que priorizam experiências de entretenimento.
Krafton quer aproveitar vácuo na Índia
Nesse cenário, a Krafton se posiciona como a companhia do mercado de games mais bem colocada para ocupar o vácuo deixado pela retirada de concorrentes chineses banidos, transformando a Índia em seu campo de batalha estratégico.
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O ponto de partida é o BGMI, relançado no país após um período de banimento, que já soma mais de 200 milhões de usuários indianos.

O título não é apenas um game de tiro em terceira pessoa com DNA de battle royale, mas também um verdadeiro hub cultural, impulsionando torneios, streams e comunidades de criadores de conteúdo.
Para a Krafton, o sucesso do BGMI prova que existe apetite por experiências locais e consistentes. Sean Sohn, chefe da operação indiana, declarou em entrevista que o maior desafio não é apenas manter o jogo ativo, mas recriar outro sucesso do mesmo porte, algo que exige investimentos constantes e inovação no modelo de engajamento.
O desafio é real porque o público indiano é simultaneamente gigantesco e extremamente sensível a preços, uma característica que força desenvolvedores a equilibrar monetização com percepção de valor.
O consumidor indiano se mostra leal quando encontra um produto que realmente o cativa, mas abandona rapidamente experiências que parecem abusivas em termos de custo.
Índia já recebia ivestida da Krafton antes
Desde 2021, a Krafton já injetou cerca de 200 milhões de dólares em diferentes frentes na Índia, incluindo aquisições, investimentos em startups e desenvolvimento de infraestrutura.
Empresas como Nautilus Mobile, especializada em jogos esportivos, e a fintech Cashfree Payments, que atua em soluções de pagamento digital, receberam aportes como parte da estratégia de construir um ecossistema completo em torno dos games.
Esse movimento evidencia que a Krafton não pretende ser apenas uma publicadora estrangeira explorando um mercado em expansão, mas uma companhia integrada ao tecido econômico e cultural indiano.
Agora, ao formalizar o compromisso de destinar ao menos 50 milhões de dólares anuais, a empresa sinaliza consistência e visão de longo prazo, fundamentais para criar confiança entre reguladores, parceiros e consumidores.
Cenário favorável facilita entrada
O momento escolhido é oportuno. A recente repressão judicial ao Real Money Gaming (RMG) na Índia, que inviabilizou operações de plataformas de apostas com dinheiro real, eliminou parte significativa do mercado cinza e forçou empresas a se reposicionar.
Esse endurecimento regulatório, ao contrário de afastar investidores, fortalece iniciativas que apostam no entretenimento puro, sem dependência de mecânicas arriscadas de monetização.
Nesse vácuo, a Krafton emerge como player confiável, oferecendo produtos alinhados ao que governos e tribunais consideram aceitável. A narrativa também favorece a empresa: em vez de ser vista como uma ameaça ao equilíbrio social, a Krafton se posiciona como fomentadora de cultura digital, educação tecnológica e emprego qualificado.
Case pode impulsionar outras desenvolvedoras
Para além da Índia, a estratégia da Krafton pode servir de modelo para outras desenvolvedoras que enfrentam mercados saturados em regiões tradicionais como Estados Unidos, Europa e China.
O setor global de games tem mostrado sinais de maturidade, com dificuldade de expansão acelerada em regiões já consolidadas. Em contraste, a Índia oferece uma base jovem, conectada e em rápido crescimento, ainda com espaço para ser moldada.
De acordo com analistas, o país já responde por cerca de 10% das vendas da Krafton no primeiro semestre de 2025, e a expectativa é que essa participação aumente de forma consistente nos próximos anos.
Para a companhia, transformar a Índia em um centro de receitas estáveis significa reduzir a dependência de oscilações em outros mercados e garantir previsibilidade financeira.
O desafio, no entanto, vai além do investimento. A Krafton precisará entregar novos títulos que dialoguem com o perfil cultural indiano e que sejam capazes de repetir ou superar o impacto do BGMI.
A dificuldade está em criar algo que mantenha a fidelidade de milhões de jogadores enquanto abre espaço para novas audiências. A aposta passa pela combinação de estúdios locais, desenvolvimento conjunto e aquisições que tragam talento regional para dentro da empresa.
A lógica é simples: jogos criados ou adaptados por profissionais que entendem o contexto indiano têm maior chance de conquistar e reter usuários. Mas a execução é complexa, exigindo gestão cuidadosa de recursos, adaptação tecnológica e respeito às especificidades culturais.
Ambiente competitivo ainda é um desafio
Outro fator crucial é o ambiente competitivo. Embora concorrentes chineses tenham sido banidos, ainda há a presença de empresas ocidentais e startups locais que disputam atenção.
A Índia tornou-se palco de e-sports em rápido crescimento, com torneios movimentando patrocínios e transmissões, o que amplia a relevância de jogos multiplayer como o BGMI.
Nesse sentido, a Krafton se beneficia de já ter consolidado um ecossistema competitivo em torno de seu principal produto, mas precisará expandir essa vantagem para além de um único título. Manter o ciclo de atualizações, promover eventos in-game e estimular a comunidade são peças centrais dessa engrenagem.
Para os investidores, a mensagem é de que a Krafton está disposta a assumir riscos calculados para buscar crescimento sustentável. A destinação anual de 50 milhões de dólares não é apenas uma cifra simbólica, mas um compromisso que garante continuidade e sinaliza seriedade.
Em um setor onde muitos players internacionais testam mercados emergentes de forma superficial e se retraem diante de obstáculos, a postura da Krafton é diferenciada. Essa consistência pode render dividendos não apenas na Índia, mas também no posicionamento global da marca, que passa a ser vista como resiliente e adaptável.
Equilíbrio é crucial
Em última instância, a decisão da Krafton de reforçar sua aposta na Índia sintetiza duas narrativas distintas que marcam o mercado atual de games.
De um lado, governos endurecem regulações contra modelos considerados nocivos por eles, como os jogos de apostas em dinheiro real, estabelecendo limites claros para o que é aceitável. De outro, empresas buscam capitalizar sobre essa nova ordem, oferecendo produtos que alinham entretenimento à responsabilidade.
A Krafton conseguiu se colocar no lado positivo dessa equação, ocupando espaço estratégico e conquistando legitimidade. A próxima etapa dependerá de sua capacidade de entregar inovação, sustentar comunidades e converter seu investimento em novos sucessos comerciais.
Ao olhar para frente, é possível afirmar que a Índia se tornou, para a Krafton, mais do que um mercado: é o campo onde a empresa pretende provar que pode se reinventar, crescer e liderar sem depender dos mesmos padrões que a consagraram no passado.
Com uma base de centenas de milhões de jogadores, investimentos estruturais e uma estratégia bem definida, a empresa tem as peças certas para transformar o país em seu novo centro de gravidade.
Mas como lembrou Sean Sohn, recriar o impacto de Battlegrounds não será fácil. O caminho exigirá paciência, criatividade e execução impecável. O resultado, se positivo, poderá não apenas consolidar a Krafton na Índia, mas também redefinir como gigantes do setor abordam mercados emergentes no futuro.