Usar videogames como ferramenta de tratamento pode parecer brincadeira, mas é ciência aplicada à reabilitação.
A chamada ‘gameterapia’, ou terapia por meio de videogames, tem ganhado espaço nos consultórios e clínicas de fisioterapia.
De acordo com Viviane Hadlich dos Santos, coordenadora do curso de Fisioterapia da UNIASSELVI, a técnica oferece uma experiência terapêutica mais envolvente.
Desse modo estimula a participação ativa do paciente e favorece melhores resultados clínicos.
A gameterapia é utilizada em diferentes áreas da fisioterapia.
Na neurológica, ajuda a estimular a neuroplasticidade e a recuperação de funções motoras e cognitivas em casos de AVC, Doença de Parkinson e paralisia cerebral.
Já na fisioterapia ortopédica, é indicada para lesões articulares, tendinites, lombalgias e entorses, auxiliando na ampliação da amplitude de movimento, fortalecimento muscular e redução da dor.
Também se mostra eficaz na reabilitação pós-cirúrgica, por exemplo, em pacientes que passaram por artroplastia de joelho, cirurgias de coluna ou reconstrução de ligamentos.
‘Os jogos eletrônicos contribuem para a melhora do controle motor, do equilíbrio e da coordenação. Além de contribuir, no pós-operatório, para a mobilidade precoce e para evitar complicações da imobilização’, explica Viviane.
Videogames para além dos jogos e entretenimento

Esse papel de antecipar a mobilidade, de forma lúdica, transforma sessões muitas vezes monótonas em algo mais dinâmico.
Estudos recentes oferecem respaldo acadêmico para a nova técnica usando videogames.
Uma revisão sistemática mostrou que intervenções com realidade virtual e jogos digitais em crianças com paralisia cerebral melhoraram o equilíbrio e o controle corporal.
Outro estudo de caso com adolescentes demonstrou progresso em 10 de 19 habilidades cognitivas após gameterapia.
Um dos principais diferenciais da gameterapia é o impacto na adesão ao tratamento.
A tecnologia transforma as sessões em experiências interativas, com metas, desafios e recompensas que estimulam o engajamento.
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“O retorno imediato oferecido pelos jogos permite que o paciente entenda seu desempenho e acompanhe sua evolução, o que aumenta o sentimento de controle e motivação”, destaca Viviane.
Essa adesão é um fator determinante pois quanto mais o paciente participar ativamente, maior a chance de recuperação consistente.
Avaliação individual e cuidado
A utilização da gameterapia requer avaliação individual e criteriosa. O fisioterapeuta deve observar condições cognitivas, sensoriais e motoras do paciente antes de aplicar o recurso.
Entre os casos que exigem cautela estão déficits cognitivos severos, deficiências visuais ou auditivas importantes, fotossensibilidade à epilepsia, distúrbios de comportamento e limitações motoras severas.
‘Se for verificado que a gameterapia é apropriada ao caso, é fundamental escolher jogos adequados às capacidades de cada paciente e adaptar o ambiente para garantir segurança e eficácia’, orienta a coordenadora do curso da UNIASSELVI.
Além disso, há que se adaptar o ambiente, por exemplo, garantir espaço livre para movimentos, adequar controles (como câmeras de movimento ou sensores), criar rotina clara e supervisionar o paciente.
Em pesquisas, consoles como o Nintendo Wii mostraram eficácia em reabilitação motora em paralisia cerebral, embora com limitações metodológicas.
A abordagem nos jogos usados nos videogames também varia conforme a idade.
Em crianças, a gameterapia é aplicada com foco no desenvolvimento motor e cognitivo, utilizando jogos coloridos, interativos e que exploram movimentos amplos, divertidos e rápidos.
Já para idosos, os jogos são mais simples, com comandos claros e ritmo lento, priorizando equilíbrio, cognição e prevenção de quedas.
‘Essas adaptações tornam a terapia mais acessível e eficaz em todas as faixas etárias’, afirma Viviane.
Evidências e limites científicos
Estudos mostram que gameterapia melhora não só motricidade, mas também a motivação em terapias que normalmente seriam repetitivas.
Apesar dos avanços, a gameterapia ainda enfrenta desafios no campo científico.
Revisões sistemáticas apontam que muitos estudos abordam melhora em função motora e equilíbrio, porém poucos investigaram a transferência desses ganhos para participação plena na vida diária ou fatores contextuais.
Outro ponto de limitação é que muitos trabalhos são de pequeno porte ou de caso único, o que exige cautela na generalização dos resultados.
Por exemplo, um estudo com um adolescente com paralisia cerebral demonstrou avanços cognitivos após dez sessões de gameterapia, porém trata-se de caso isolado.
Assim, a gameterapia surge como complemento, e não substituto, da fisioterapia convencional.
É necessária supervisão qualificada e adaptação às necessidades do paciente.
Em um estudo com indivíduos com paralisia cerebral, foi utilizada console Wii para reabilitação motora.
Após múltiplas sessões, o participante obteve aumento de 10,06% no escore motor bruto (GMFM-88) em comparação à avaliação inicial.
Em outro, uma intervenção com videogames personalizados para crianças entre 6 e 15 anos mostrou que medida de metas (‘Goal Attainment Scale’) teve melhora significativa no grupo que combinou fisioterapia com jogos.
Desse modo, essas evidências sugerem que a gameterapia pode acelerar ou amplificar os ganhos terapêuticos, desde que bem implementada.
