Como o speedrunning foi de passatempo de nicho aos eventos internacionais

O que começou como um passatempo de nicho ganhou comunidades organizadas, eventos internacionais e recordes.
speedrunning - entenda

O speedrunning é a prática de zerar um jogo no menor tempo possível, explorando ao máximo as mecânicas, atalhos e até falhas do próprio código.

O que começou como um passatempo de nicho se tornou uma verdadeira cultura no universo gamer, com comunidades organizadas, eventos internacionais e recordes que impressionam até quem nunca tentou correr contra o cronômetro.

A ideia de terminar um jogo o mais rápido possível existe desde os primeiros consoles, mas o speedrunning moderno começou a ganhar forma no início dos anos 1990.

Um dos marcos foi o Doom (1993), quando jogadores começaram a gravar suas partidas e compartilhar os tempos pela internet. Sites especializados surgiram para registrar e validar as corridas, criando um espírito competitivo entre os participantes.

Com a popularização da internet banda larga nos anos 2000, o fenômeno explodiu. Plataformas como o Speed Demos Archive (SDA) e, posteriormente, o Speedrun.com, se tornaram bibliotecas globais de recordes. O conceito se expandiu para praticamente qualquer jogo, dos clássicos de 8 bits até produções modernas com mundos gigantescos.

Tipos de speedrunning

Dentro do universo do speedrunning, as categorias são um elemento essencial para entender como a comunidade organiza e valoriza diferentes estilos de jogo.

Cada modalidade representa uma filosofia distinta, moldando não apenas a estratégia, mas também o tipo de habilidade necessária para alcançar bons resultados.

Entre elas, a mais conhecida é o Any%, na qual o objetivo é simples e direto: chegar ao final do jogo o mais rápido possível, usando todos os recursos disponíveis.

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Aqui não existem restrições quanto ao uso de glitches, atalhos ou truques que quebrem a lógica normal do gameplay.

É uma categoria que valoriza a eficiência máxima, onde até erros de programação podem se tornar armas poderosas para cortar minutos, ou até horas, do tempo total.

Já o 100% segue a direção oposta. Nesse formato, a corrida exige que o jogador complete absolutamente todos os objetivos propostos pelo jogo.

É necessário coletar cada item, cumprir todas as missões e explorar todas as áreas, o que torna o tempo final bem mais longo, mas exige um domínio absoluto do conteúdo.

Aqui, a precisão e a memória são tão importantes quanto a velocidade, já que um simples esquecimento pode invalidar toda a tentativa.

Low% e o mínimo possível de recursos ou upgrades

Outra variação interessante é o Low%, que desafia o jogador a terminar a aventura com o mínimo possível de recursos ou upgrades.

Ao abrir mão de melhorias que normalmente facilitariam a progressão, o competidor precisa encontrar formas criativas de superar obstáculos e chefes com habilidades e equipamentos básicos. É uma prova de paciência, técnica e, muitas vezes, improviso.

Há também o Glitchless, categoria que mantém o espírito da corrida, mas impõe uma regra clara: não usar bugs ou falhas do jogo para ganhar tempo.

Nesse formato, a velocidade vem unicamente da execução perfeita, do domínio das mecânicas e do conhecimento profundo sobre a rota mais eficiente dentro das regras normais do gameplay.

É a modalidade que mais se aproxima da experiência “justa” e tradicional, ainda que feita em ritmo acelerado.

Por fim, existe o Tool-Assisted Speedrun (TAS), que leva a ideia do speedrunning para um campo experimental.

Aqui, os jogadores utilizam emuladores e ferramentas especiais para executar ações impossíveis para humanos, como movimentos frame-perfeito em sequência ou combinações complexas que exigiriam reflexos sobre-humanos.

Embora não seja uma competição “justa” no sentido físico, o TAS funciona como um laboratório, revelando qual seria o tempo teórico perfeito para terminar um jogo e inspirando novas estratégias nas corridas tradicionais.

O que você ainda não sabe sobre speedrunning

O universo do speedrunning é tão vasto que acabou criando ramificações únicas, e uma das mais fascinantes é o TAS, sigla para Tool-Assisted Speedrun.

O termo surgiu para diferenciar as corridas feitas com auxílio de ferramentas das jogadas “na raça”, ou seja, executadas manualmente por jogadores humanos.

No TAS, softwares e emuladores permitem desacelerar o jogo, repetir tentativas infinitas e até programar inputs automáticos, possibilitando ações com precisão absoluta, muitas vezes no nível de milissegundos.

Embora não sejam reconhecidos como recordes “oficiais” para competições humanas, esses runs servem como referência, mostrando o que seria o tempo teoricamente perfeito para um jogo, além de inspirar novas rotas e estratégias para quem corre sem ajuda.

A busca pela perfeição levou o planejamento das corridas a um patamar impressionante. Em alguns títulos, as rotas são tão refinadas que a disputa não é por segundos, mas por milésimos.

Frame windows minúsculos

Cada salto, cada movimento, cada troca de direção é calculado de forma quase científica. Jogadores treinam para acertar frame windows minúsculos — frações de segundo em que uma ação pode ser executada — e qualquer erro, por menor que seja, pode arruinar horas de preparação.

Essa obsessão por otimização gerou feitos lendários. Jogos famosos como Super Mario Bros. 3 e The Legend of Zelda: Ocarina of Time já foram finalizados em menos de dez minutos, algo impensável para quem jogou de forma tradicional.

Essas marcas só são possíveis graças ao uso de glitches, falhas no código que permitem saltar partes inteiras da aventura ou teletransportar o jogador diretamente para o final.

O domínio dessas técnicas exige não apenas reflexos afiados, mas também conhecimento profundo da arquitetura interna do jogo, explorando comportamentos que os desenvolvedores jamais imaginaram.

O espírito competitivo e a vontade de compartilhar essas descobertas fizeram surgir eventos como o Games Done Quick (GDQ), uma maratona beneficente que reúne alguns dos melhores speedrunners do mundo para apresentações ao vivo.

Transmitido para milhões de espectadores, o GDQ já arrecadou dezenas de milhões de dólares para causas humanitárias, transformando a habilidade de “quebrar” jogos em uma força para o bem.

Nessas transmissões, o público acompanha runs incríveis, assiste a explicações sobre cada truque e participa do clima de celebração da comunidade.

Recordes mais impressionantes

Alguns dos recordes mais impressionantes do speedrunning mostram até onde a habilidade, o conhecimento técnico e, em certos casos, a sorte podem levar um jogador.

Um dos exemplos mais famosos é o de Super Mario Bros. para o NES, que já foi zerado em incríveis 4 minutos e 54 segundos.

Para alcançar esse tempo, a rota escolhida é milimetricamente otimizada e cada salto é executado no chamado frame-perfeito, ou seja, no exato quadro de animação que permite manter a velocidade máxima e evitar qualquer perda de tempo.

Outro caso lendário é o de The Legend of Zelda: Ocarina of Time, concluído em apenas 6 minutos e 53 segundos por meio de uma técnica conhecida como wrong warp.

Esse glitch, explorado ao extremo pelos speedrunners, permite manipular o jogo de forma a teletransportar o personagem diretamente para a batalha final, ignorando praticamente toda a jornada.

É um exemplo claro de como o speedrunning não é apenas reflexo rápido, mas também um trabalho de engenharia reversa, em que jogadores desmontam a lógica interna do game para criar atalhos impossíveis no gameplay tradicional.

Em títulos mais recentes, a imprevisibilidade também pode ser um fator decisivo. No caso de Minecraft, por exemplo, a categoria Any% Random Seed Glitchless já registrou tempos abaixo de nove minutos, mas esses resultados dependem fortemente da sorte na geração do mundo.

Um bom seed pode colocar recursos essenciais próximos ao ponto de início, permitindo avançar rapidamente até o dragão final, enquanto um cenário menos favorável pode acabar com qualquer chance de recorde logo nos primeiros minutos.

Nessa modalidade, a habilidade se mistura com a adaptação e o pensamento rápido para aproveitar cada vantagem que o jogo oferece aleatoriamente.

Até mesmo jogos conhecidos por sua dificuldade extrema, como Dark Souls, têm espaço para corridas surpreendentes. Um dos recordes mais famosos conclui toda a jornada em pouco mais de 21 minutos, explorando teletransportes não intencionais que encurtam drasticamente a rota.

A cultura do Speedrunning hoje

Hoje, o speedrunning é mais do que apenas um desafio pessoal. É entretenimento ao vivo, é comunidade e, em muitos casos, é até profissão. Grandes streamers dedicam-se exclusivamente a quebrar recordes, enquanto equipes colaboram para descobrir novas estratégias e otimizações.

O fascínio está tanto na habilidade quanto na criatividade: cada recorde quebrado inspira outros jogadores a tentar ir além. E, assim, a corrida nunca termina — sempre haverá alguém disposto a encontrar um novo atalho ou executar um movimento impossível com mais precisão.

O speedrunning transformou a forma como vemos os games: não mais apenas como experiências lineares, mas como campos abertos para experimentação e inovação. É a prova de que, no mundo gamer, o tempo pode ser o maior inimigo — e também o maior troféu.

Sou um redator de conteúdo criativo com quatro anos de experiência nos setores de marketing e economia digital. Tenho artigos publicados em Cointelegraph Jogos, Cryptonews Brasil e outros websites. Mas, antes de tudo isso, sou um gamer madrugador old school que não perde uma oportunidade de desmarcar tudo para testar o beta de um jogo.