Em um cenário de transformação tecnológica, não foram apenas os jogos que se transformaram profundamente. Sociedade e a cultura gamer também mudaram, acompanhando a evolução e popularização dos consoles.
Nos anos 1970 e 1980, nos fliperamas, antes dos consoles dominarem as salas de estar, jovens se encontravam diante de máquinas como Pong e Space Invaders para disputar pontuações, observar estratégias e, sobretudo, pertencer.
Com o tempo, a identidade se expandiu por meio de mídias e rituais. Revistas especializadas dos anos 1980 — nos EUA, como Electronic Games e Computer and Video Games e, mais tarde, Nintendo Power; no Brasil, Ação Games, SuperGamePower e outras — deram linguagem comum, gírias, detonados, ‘segredos’ e cartas de leitores.
Em PCs conectados a BBS, IRC e Usenet, e depois em fóruns e portais, surgiram guias criados por fãs, mods, clãs e as primeiras comunidades competitivas persistentes.
Comunidade e interação fortalecem a cultura gamer
LAN parties, locadoras e, no Brasil, as lan houses dos anos 2000 consolidaram a prática coletiva. Enquanto isso, MMOs e serviços online acrescentaram a sensação de mundo vivo
, com economias internas, guildas e agendas próprias.
Quer saber como funcionam casas de apostas em eSports? Gameshub tem um guia sobre o tema.
Quando o streaming explodiu na década de 2010, com Twitch e YouTube Gaming, a figura do jogador passou a ocupar também um papel de entretenimento.
Narrar, ensinar, comentar e performar são pilares que hoje estruturam carreiras, patrocínios e uma indústria de criadores.
A cultura gamer, portanto, surge quando esse conjunto de práticas — jogar, comentar, colecionar, customizar, competir, criar conteúdo e consumir produtos associados — ganha consciência de grupo e expressão pública.
É quando vestir uma camiseta, usar um wallpaper, comprar um artbook, montar um setup, cosplayer um personagem ou financiar um estúdio indie tornam‑se jeitos de dizer ‘eu pertenço’.
Marcas perceberam cedo essa energia. De revistas e guias impressos, passamos a linhas de moda, colaborações com artistas, cartões de crédito personalizados, bebidas temáticas, cadeiras, teclados e headsets que prometem performance e status.
Os eSports profissionalizaram treinos e transmissões. Ademais, eventos presenciais e digitais misturaram anúncios, showmatches e cultura pop.
Afinal, os próprios jogos viraram plataformas de expressão com mods, criadores de mapas e estúdios fomentando o conteúdo gerado pelo usuário.
A partir de 2020, esse percurso desemboca em um cenário no qual a fronteira entre jogar e socializar fica cada vez mais porosa.
Títulos como Roblox, Fortnite e Minecraft funcionam como ‘praças digitais’. Nelas, adolescentes aprendem lógica, arte e produção de eventos enquanto convivem com marcas, artistas e influenciadores.
Dessa forma, fica claro que a cultura gamer vem sendo tecida, fio a fio, por jogadores, desenvolvedores, jornalistas, lojistas, streamers, organizadores de torneios, educadores e empresas. Em resumo, um ecossistema que já transcende o ato de jogar e se afirma como linguagem, mercado e comunidade globais.
A força da cultura gamer na sociedade
Dessa forma, a cultura gamer deixou de ser um nicho juvenil para se tornar um ecossistema econômico e cultural multibilionário. Isso porque movimenta jogos, viagens, acessórios, moda e consumo geek — tanto no mundo físico quanto no digital (incluindo metaversos de plataformas como Roblox).
Em 2024, o mercado global de games fechou em US$ 177,9 bilhões, com recuo pontual após anos de expansão.
No entanto, as projeções para 2025 apontam retomada para US$ 188,9 bilhões, puxada por ciclos de hardware, catálogo e crescimento em mobile. Esses números não são de marketing; vêm da Newzoo, a principal referência de dados do setor.
No Brasil, a base de consumo é uma das maiores do mundo. A PGB 2025 indica que 82,8% dos brasileiros consomem jogos digitais, uma escalada relevante frente a 2024 e um sinal claro de que jogar já é hábito de massa.
Em resumo, traz reflexos diretos em compra de títulos, assinaturas, itens virtuais, periféricos e experiências presenciais.
Essa força cultural transborda para viagens e turismo de eventos. Em 2024, a gamescom reuniu 335 mil pessoas de cerca de 120 países em Colônia. A Tokyo Game Show recebeu 274.739 visitantes em quatro dias.
Além do fluxo de fãs, a ancoragem de torneios em grandes arenas já gera impactos econômicos diretos nas cidades. Por exemplo, o Major de Counter‑Strike em Austin (junho de 2025) deve movimentar mais de US$ 30 milhões na economia local, com mais de 40 mil presentes e audiência online global estimada em centenas de milhões.
De cadeira a roupas, o que os gamers compram
No consumo de acessórios, o mercado global de periféricos gamer (teclados, mouses, headsets, controladores) foi estimado em US$ 6,2 bilhões em 2024. E pode alcançar US$ 11,5 bilhões até 2030.
Só o segmento de cadeiras gamer movimentou US$ 1,55 bilhão em 2024 e segue em expansão com foco em ergonomia.
A moda e o varejo geek/licenciado são outro pilar desse estilo de vida. Segundo a Licensing International, as vendas globais de produtos e serviços licenciados atingiram US$ 356,5 bilhões em 2023.
Em suma, o e‑commerce já responde por 37% do canal — um guarda‑chuva que inclui vestuário, calçados, acessórios, colecionáveis e collabs com franquias de jogos.
Em outras palavras, o ‘uniforme’ gamer — da camiseta temática ao tênis colaborativo — é economia real, não só símbolo de pertencimento.
No digital, o metaverso de plataformas‑jogo monetiza comportamentos sociais típicos da cultura gamer (customização, shows, encontros, criação de conteúdo).
A Roblox Corp., referência em economia de itens virtuais e experiências 3D, reportou US$ 1,44 bilhão em bookings no 2º tri de 2025. Ademais, elevou a projeção anual para US$ 5,87–5,97 bilhões.
Os picos de usuários e tempo de engajamento são um termômetro de como roupas e acessórios digitais já convivem com os físicos no carrinho de compras do público.
O ao vivo competitivo (eSports) converte essa energia em arenas cheias e audiências expressivas. No Brasil, o CBLOL 2024 cravou pico acima de 450 mil espectadores no 1º split.
Além disso, ultrapassou 330 mil no 2º. Globalmente, circuitos como Free Fire voltaram a quebrar marcas de audiência em 2024.
Para 2025, a Esports World Cup retornou com premiação recorde de US$ 70 milhões, consolidando a categoria como produto‑âncora de mídia, patrocínio, turismo e vendas de produtos.
Leia também o primeiro artigo desta serie – Cultura gamer – O que é e por que não para de crescer.